Um pouco dos ais, uis e ufas de uma garota que decidiu ser au-pair na Suíça.
Monday, 3 August 2009
Devaneio
Às vezes me pego parada olhando pro vazio e pensando, ou até diria filosofando, sobre certos assuntos que não sei bem dizer de onde surgem. Normalmente guardo tais pensamentos só pra mim, por ter certeza que não conseguiria traduzí-los muito bem em palavras para um outro alguém que não tenha vivenciado-os da forma exata como eles se sucederam no meu devaneio.
Hoje, como tantos outros dias não foi diferente... me pequei perdida em tais pensamentos novamente. Mas esse específico, gostaria de registrar aqui por ter diretamente uma ligação indireta com minha estadia aqui.
A vida é um bixo danado de engraçado, às vezes começamos um dia como qualquer outro e não temos a menor idéia que aquele dia pode ser o mais especial de nossas vidas ou também o pior. Acontece também de tomarmos certas decisões sem nos dar conta que aquele singelo ato pode trazer inúmeras mudanças e transformações para o nosso futuro.
Foi exatamente dessa forma que aconteceu minha viagem pra cá. DO NADA!! Em um momento de tristeza e desespero pela idéia de passar 6 meses sem fazer nada, decidi que era hora de ir, de viver tudo que o mundo e a vida tinham reservado pra mim. Aos poucos tudo foi se encaixando como deveria, dia após dia... e hoje estou aqui!
É daí que vem minha preocupação, tenho medo que a minha estadia aqui termine da mesma forma que começou. Um dia aparentemente normal pode se transformar em um desastre de um segundo para o outro, tudo acontece tão rápido que ficamos nos perguntando o que nos atingiu na cabeça, como tudo desandou completamente sem que nem pudéssemos fazer algo pra evitar. Um mal entendido pode transformar tudo.
Postei aqui algumas vezes falando sobre meu host e sobre nossa não tão fantástica relação e em um dos últimos posts disse que as coisas estavam melhores. E realmente estavam, por menos de 24 horas a convivência com ele não foi insuportável. Claro que no outro dia ele tinha voltado a ser o mesmo imbecil, mal educado, grosso, metido a engraçadinho, incoveniente, estúpido... (posso continuar por horas)
O meu maior desafio aqui não está sendo ter que me virar sozinha, nem minha timidez, nem a falta de privacidade, nem o trabalho, nem a saudade (se bem que essa tá bem complicada também), nem a falta de amigos até a presente data... está sendo ele!!! Com toda sua grosseria gratuita, injustiça, falta de consideração, absurda falta de educação e boas maneiras. Está sendo ouvir e aguentar tudo calada, guardando todas as milhares de lágrimas pra serem choradas no colo virtual dos meus pais.
Pela minha crença na Doutrina Espírita tenho a certeza mais que absoluta que não vim parar nessa residência, nem vim trabalhar pra ele por acaso. Sei que tenho dívidas para com o espírito dele e fico muito grata de estar tendo a oportunidade de resgatar qualquer débito que tenha com essa família.
Mas, infelizmente não posso negar minha natureza humana, que tem sentimentos, que sofre e não tem paciência de elástico; ainda não evolui a esse ponto. Sei que minha missão aqui é de 1 ano e peço força a Deus todo momento pra que consiga chegar até o fim, só não sei até quando vou aguentar tanta lapada simplesmente baixando a cabeça, porque me conheço e sei que no dia que não aguentar mais e disser o que penso será o fim disso aqui.
Tenho medo que um dia que começou como qualquer outro, tenha guardado um daqueles momentos que mudam tudo, pra pior. Só peço força, paciência e humildade pra seguir em frente... um dia de cada vez, até quando der.
Sunday, 2 August 2009
Frustrada...
Esse é um post desabafo.
Ontem foi feriado aqui na Suíça, dia em que todos os estados (aqui são chamados Cantões) se juntaram pra formar o país Suíça, só Deus sabe há quantos anos atrás. Um daqueles feriados em que todos ficam AINDA MAIS patriotas, tudo disponível nas lojas tem bandeirinhas, incluindo comidas! A noite eles soltam fogos de artifícios (gastam quantias absurdas nisso e nem é nada tão fantástico assim, mas deve ser porque aqui não mora muita gente, imagino como deve ser nas grandes cidades!) e fazem fogueiras no topo de cada montanha. É uma coisa bem interessante de se ver, todos juntos comemorando o país que vivem e o fato de serem suíços. Não consigo não pensar no 7 de setembro e como isso não modifica nada na nossa rotina, como não comemoramos absolutamente nada aí, fora alguns desfiles no centro da cidade nada mais se vê, como não temos bandeiras do brasil astiadas em nossas casas, como essa data praticamnente só significa que Pipa-RN vai estar impraticável e cheia de policiais armados.
De manhã fomos aos Alpes pra um brunch, vários suíços bem tradicionais estavam lá com suas famílias, todos felizes ouvindo música típica suíça ao vivo. Depois voltamos pra casa e ficamos na piscina com as crianças. Umas 4 horas começamos os preparativos culinários pra levar pra casa de Cláudia (amiga de Nadine), porque fomos pra um churrasco lá. Fiz minha (primeira) torta de frutas vermelhas e digo sem mentiras nem exageros, estava MARA!! Hahaha!! Chegamos lá, tudo normal, crianças brincando e correndo pra lá e pra cá, adultos conversando, bebês chorando ou dormindo e eu abestalhada olhando de um lado para o outro, sem entender nada das conversas alheias. Sempre me sinto analfabeta, cega, surda e muda nessas horas, é ótimo. Foi logo mais na sequência que veio a tal frustração, fora a logo acima descrita. Algum tempo depois que estávamos lá, chegou uma menina de uns vinte e poucos anos, que carinhosamente apelidei de Xuxa suíça (ela era morena, mas isso não vem ao caso). A menina era apenas um espetáculo do entretenimento infantil!!! Ela corria de um lado para o outro com todas as crianças, organizava brincadeiras, colocava as crianças nas costas e por aí ia... Poucas vezes na minha vida eu me senti tão incompetente, não consigo nem entender simples perguntas em alemão, quiçá fazer brincadeiras elaboradas e se colocar uma daquelas crianças nas minhas costas, juro que JAMAIS andarei de novo. Fiquei super mal... me senti a absurdamente sem graça Danny Pink sendo pisoteada pela fantásttica Xuxa dos anos 80.
Estou depressiva.
=/
Ps. E até agora não sei quem é a tal Xuxa, nem o porque da visita dela...
Saturday, 1 August 2009
A viajante
Hoje quando abri minha caixa de email vi um email de uma das pessoas mais queridas pra mim, com esse texto. E digo, se tivesse o dom das palavras como Rubem Braga, teria escrito EXATAMENTE a mesma coisa.
____
Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá.
Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.
Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio — você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.
Apenas quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos. Como este, sempre maravilhoso, em que no bojo da noite, na poltrona de um avião ou de um trem, ou no convés de um navio, a gente sente que não está deixando apenas uma cidade, mas uma parte da vida, uma pequena multidão de caras e problemas e inquietações que pareciam eternos e fatais e, de repente, somem como a nuvem que fica para trás. Esse instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada. E há também instantes bons, em terra estrangeira, melhores que o das excitações e descobertas, e as súbitas visões de belezas sonhadas. São aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa de um bar, ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo, respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.
Mas há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde - torresmo, moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa mole, peteca, qualquer bobagem. Mas então as bobagens do estrangeiro não rimam com a gente, as ruas são hostis e as casas se fecham com egoísmo, e a alegria dos outros que passam rindo e falando alto em sua língua dói no exilado como bofetadas injustas. Há o momento em que você defronta o telefone na mesa da cabeceira e não tem com quem falar, e olha a imensa lista de nomes desconhecidos com um tédio cruel.
Boa viagem, e passe bem. Minha ternura vagabunda e inútil, que se distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.
Rio, abril de 1952.
(Rubem Braga)
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Com franqueza, não me animo a dizer que você não vá.
Eu, que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da vagabundagem, eu não direi que fique.
Em minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio — você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.
Apenas quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos. Como este, sempre maravilhoso, em que no bojo da noite, na poltrona de um avião ou de um trem, ou no convés de um navio, a gente sente que não está deixando apenas uma cidade, mas uma parte da vida, uma pequena multidão de caras e problemas e inquietações que pareciam eternos e fatais e, de repente, somem como a nuvem que fica para trás. Esse instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada. E há também instantes bons, em terra estrangeira, melhores que o das excitações e descobertas, e as súbitas visões de belezas sonhadas. São aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa de um bar, ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo, respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.
Mas há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde - torresmo, moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa mole, peteca, qualquer bobagem. Mas então as bobagens do estrangeiro não rimam com a gente, as ruas são hostis e as casas se fecham com egoísmo, e a alegria dos outros que passam rindo e falando alto em sua língua dói no exilado como bofetadas injustas. Há o momento em que você defronta o telefone na mesa da cabeceira e não tem com quem falar, e olha a imensa lista de nomes desconhecidos com um tédio cruel.
Boa viagem, e passe bem. Minha ternura vagabunda e inútil, que se distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.
Rio, abril de 1952.
(Rubem Braga)
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